Pensando o FunBEA

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Brasília, março de 2010

Pensando o Fundo Brasileiro para a Educação Ambiental – FunBEA

O presente documento traz as reflexões do autor acerca do financiamento da educação ambiental no país com foco na criação do Fundo Brasileiro para a Educação Ambiental. É destinado ao grupo liderado pelo Prof. Dr. Marcos Sorrentino – ESALQ/USP que se reunirá para debater o tema no dia 18 de março de 2010.

João Paulo Sotero1 *

Contexto

A educação ambiental (EA) tem forte raiz no movimento ambientalista, sendo um dos instrumentos de contestação do modo de produção e consumo, hegemônico na contemporaneidade, estabelecida por um modelo de desenvolvimento que prioriza o TER, a propriedade privada e o capital em detrimento do SER, do bem comum, da qualidade de vida e sustentabilidade socioambiental das sociedades humanas. A EA no Brasil é reconhecida como um direito social fundamental da sociedade (artigo 225 da Constituição Federal), sendo tratada como Política Nacional (Lei 9.795/99).
A prática da educação ambiental vem sendo experimentada e executada em diferentes espaços públicos e privados, com atores distintos e diversos. Embora a EA venha conquistando espaço na agenda das instituições, o seu financiamento, enquanto política pública, ainda é precário, evidenciando, portanto, uma assimetria. Desta forma, pode-se afirmar que o acesso aos recursos públicos não acompanhou o avanço e o amadurecimento das práticas metodológicas, que fazem hoje da educação ambiental um importante campo de pesquisa e ação.
Embora a EA seja tema recorrente de alguns fundos públicos que financiam meio ambiente, o seu financiamento de forma sistêmica e estruturante ainda não se deu por diversos motivos, entre eles a não existência de uma fonte de recurso específica – veto do artigo 18 da Lei 9.795/99 – e também pela pouca articulação, conexão, integração e complementaridade entre os atores que fazem EA, o que contribui para a dispersão, sobreposição e a não sinergia ente os esforços na área, conforme apresentado por Sotero (2008).
Pensar e (re)pensar os mecanismos e as estratégias para o financiamento da educação ambiental enquanto política pública é um esforço e um desafio fundamental para gestores públicos, acadêmicos e educadores ambientais a fim de propiciar a ampliação das ações de EA desenvolvidas e contemplar uma parcela mais significativa da população brasileira, contribuindo assim para as transformações socioambientais urgentes em tempos de mudanças climáticas e enorme injustiça social.
Nesse sentido, esse texto traz contribuições referentes ao financiamento da EA enquanto política pública avançando um pouco mais na proposta defendida por Sotero (2008), ao propor um mecanismo de fomento público não estatal.

Proposta

Os principais mecanismos de financiamento da EA atualmente, em âmbito federal, são: Fundo Nacional do Meio Ambiente, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Tratam-se de fundos contábeis, com recursos oriundos do Orçamento Geral da União – quase sempre escassos – e com ampla dificuldade para serem acessados em virtude das regras vigentes, sobretudo por pequenas ONGs, associações e inclusive pequenas prefeituras. Assim, torna-se fundamental discutir novos arranjos para o financiamento da educação ambiental, potencializando as ações já existentes e contemplando outras fontes de recursos não operadas pelos fundos públicos e estabelecendo um outro padrão de acesso aos recursos – mais ágil, fácil, porém não menos responsável.
         A partir de estudo e pesquisa na área do financiamento ambiental, ficou cada vez mais clara a necessidade de criação de um fundo de interesse público, com transparência, participação e controle social que se proponha ao financiamento de ações públicas e estruturantes de EA, assim, sugiro a criação do FunBEA – Fundo Brasileiro para a Educação Ambiental. Trata-se de um fundo público não-estatal2, ou seja, um fundo privado que atua e apóia políticas públicas. Proponho que a construção do FunBEA seja calcada em 3 pilares: (a) modelo jurídico; (b) modelo de financiamento; e (c) modelo de governança.

A. Modelo Jurídico
Existe, no âmbito do contexto desta proposta (criação de um fundo público não estatal), dois caminhos possíveis quanto ao modelo jurídico do FunBEA: a fundação privada ou associação civil. (a) A fundação privada é uma pessoa jurídica constituída a partir da dotação especial de bens livres, destinado por uma pessoa física ou jurídica para a realização de um fim social e determinado. Há que ressaltar que os bens doados ficam imobilizados, ou seja, viram patrimônio da fundação e não podem ser desfeitos, vendidos, utilizados. (b) Quanto à associação civil, é uma pessoa jurídica de direito privado, criada pela união de pessoas em torno de uma finalidade lícita e não lucrativa. Não há entre os associados obrigações e direitos recíprocos. A associação civil representa organizações que exercem atividades comuns ou defendem interesses comuns e mútuos.
Tanto no caso de fundação quanto associação existe a possibilidade de obtenção do título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, propiciando algumas vantagens à instituição. Considerando as características de cada uma das opções, o modelo de associação civil se torna mais adequado ao FunBEA pois não há necessidade de imobilizar capital, bens, ou seja, o patrimônio da instituição.

B. Modelo de financiamento
Os fundos ambientais podem ser organizações privadas, públicas ou mistas detentoras de atributos que permitem atrair recursos financeiros nacionais internacionais. São ferramentas para garantir a preservação e o uso    sustentável dos recursos naturais e, ao mesmo tempo, gerar mecanismos que permitam o desenvolvimento das comunidades envolvidas, Funbio (2004) apud Sampaio (2006).
Geralmente os fundos são classificados pela sua forma de operação financeira. De forma simples, Lambert (2000), classificou os fundos em três diferentes formas: cash fund, endowment fund e revolving fund. Existe ainda uma classificação mais característica aos fundos públicos categorizando-os em contábeis3 e financeiros4. Contudo, observa-se na prática a existência de fundos que possuem características diversas, podendo ser classificados como mistos. Para os fins deste trabalho, destacaremos dois tipos de fundos:

(1) Fundos de Caixa (Cash Funds) são fundos que utilizam integralmente, ou a maior parte, dos recursos captados – doações esporádicas ou fontes perenes – no apoio a projetos. À medida que existem recursos, os projetos vão sendo apoiados, caso os recursos findem, a operação do fundo deixa de existir, até o próximo aporte de recursos. No caso de fontes intermitentes (doações), geralmente os prazos e valores dos projetos apoiados são determinados pela disponibilidade de recursos. São os mais conhecidos da área ambiental e sua forma de operação é muito semelhante aos Fundos de Amortização (Sinking Fund).

(2) Fundo de Dotação (Endowment Fund) são aqueles que utilizam os valores das doações para fazer investimentos no mercado financeiro e, portanto, receber os dividendos das aplicações. O apoio aos projetos, ou a manutenção (administração) do fundo, ocorre somente com o lucro apurado das aplicações, sendo preservado o valor das doações. Nesse sistema, o apoio aos projetos e a manutenção do fundo tem garantia de recursos perenes, alternando somente os quantitativos disponíveis para apoio a projetos, considerando a flutuação dos rendimentos oriundos do mercado financeiro. Esse tipo de operação só é vantajosa quando o valor doado é significativo a ponto de propiciar rendimentos consideráveis com sua operação.

A essência do FunBEA, ou seja, seu negócio, será, de um lado, a captação de recursos em diferentes fontes e naturezas lícitas e, de outro, a aplicação dos recursos captados em ações estruturantes de EA, executadas por outras instituições. Assim, proponho que o FunBEA tenha operação mista, híbrida. Ou seja, será tanto um fundo que capta e aplica a totalidade de determinados recursos arrecadados (fundo de caixa, fundo de amortização), quanto um fundo que investe o capital levantado e financia projetos com os recursos aferidos nas operações de mercado (fundo de dotação). A escolha da operação se dará em função das características e exigências do doador. Provavelmente, o FunBEA iniciará sua operação como um fundo de caixa (cash funds) e fundo de amortização (sinking fund) e em seguida, dependendo do sucesso da instituição em gerir seu negócio e adquirir legitimidade, passará a operar também como um fundo de dotação (endowment fund).

C. Modelo de Governança
Uma instituição pública não estatal com a finalidade de atuar como fundo – captar e aplicar recursos – deve obrigatoriamente possuir um modelo de  governança que preze pela transparência, participação e controle social. Assim, proponho que o FunBEA conte com um Conselho Deliberativo formado por representantes do Setor Acadêmico, Terceiro Setor - ONGs e Movimentos Sociais, Setor Empresarial, Poder Executivo Federal, Poder Legislativo Federal, Ministério Público e por membros convidados, considerando sua contribuição ao campo da EA. No sentido de otimizar o uso dos recursos captados a serem utilizados na gestão do fundo, sugiro que seu Conselho Deliberativo tenha uma participação inicial de 11 membros5.
Proponho que o Conselho Deliberativo seja dirigido por um presidente e conte com um Comitê Executivo (responsável pelo acompanhamento mais próximo de todos os processos e programas). A administração do FunBEA estará a cargo de um(a) Secretário(a) Executivo(a) que coordenará os trabalhos técnicos do fundo. As atribuições do Conselho Deliberativo, do seu Comitê, e da Secretaria Executiva do FunBEA serão disciplinados em seu estatuto e regimento internos. Sugiro ainda que um percentual6 dos recursos arrecadados seja disponibilizado ao próprio fundo para manutenção de sua estrutura, todavia, há que ressaltar que o FunBEA pautará sua atuação nos princípios da boa governança e eficiência no uso de todo e qualquer recurso.

Considerações finais

A proposta ora apresentada trouxe alguns elementos fundamentais para criação do Fundo Brasileiro para a Educação Ambiental, trazendo uma modelagem com três pilares: jurídico, financiamento e governança. Para a concretização do FunBEA, além de mais discussões acerca desses pilares, é necessário que se espelhe em outros arranjos, outras instituições. Sugiro que o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade – FUNBIO seja minuciosamente estudado, inclusive sejam realizadas conversas com seus fundadores7 e colaboradores8. Sugiro também a elaboração de minutas de documentos para a criação da associação civil, e por fim, quando a proposta estiver madura, sugiro que ela seja apresentada a possíveis parceiros – técnicos, doadores em potencial e possíveis beneficiários – no sentido de mobilizar pessoas sérias, comprometidas e competentes, com notória contribuição ao socioambientalismo, para que conheçam e reconheçam a proposta e, portanto, sejam co-criadores do Fundo Brasileiro para a Educação Ambiental.
A efetivação dessa proposta só será possível caso exista: clareza do que se propõe (maturidade), parceiros estratégicos (pessoas e instituições que abrirão as portas e janelas de oportunidade para o fundo), além de muita objetividade e foco.
Por fim, é importante ressaltar que a proposta de criação do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental foi fruto e está ancorada em ampla reflexão acadêmica sobre o financiamento ambiental, sobretudo o financiamento da educação ambiental. Seus princípios e objetivos mais amplos constam nos dois principais documentos que subsidiaram essa proposta: as dissertações de mestrado de Sotero (2008) e Sampaio (2006).

Referências Bibliográficas

LAMBERT, Alain. Fundos Ambientais: Bem mais do que simples mecanismos financeiros: uma ferramenta de gestão ambiental. Workshop do UK Department for International Development (DFID) sobre Ferramentas de gestão ambiental que não sejam do tipo clássico de "comando e controle". Cuiabá, 2000. Disponível
http://www.conservationfinance.org/Documents/CF_related_papers/Fundos_Ambientais_-_Portuguese.pdf> Acesso em: 27 fev. 2010.

SAMPAIO, M. S. B. A contribuição dos fundos públicos para o financiamento ambiental: o caso do FNMA. Brasília, 2006. 186p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília.

SOTERO, J. P. O financiamento público da política nacional de educação ambiental: do veto do artigo 18 às novas estratégias de financiamento. Brasília, 2008. 236p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

1
Biólogo, especialista em educação ambiental, mestre em desenvolvimento sustentável – política e gestão ambiental. É Analista Ambiental do MMA lotado no Serviço Florestal Brasileiro, onde está coordenador do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. joaopaulosotero@gmail.com
* Agradeço à Taciana Leme pela leitura atenta do texto e sugestões ao mesmo.

2
Para Bresser Pereira a expressão “público não-estatal” que define com maior precisão do que se trata: são organizações ou formas de controle “públicas” porque estão voltadas ao interesse geral; são “não-estatais” porque não fazem parte do aparato do Estado, seja porque não utilizam servidores públicos ou porque não coincidem com os agentes políticos tradicionais.
http://www.bresserpereira.org.br/papers/1998/84PublicoNaoEstataRefEst.p.pg.pdf

3
Fundos contábeis são aqueles que executam recursos públicos previstos no Orçamento Geral da União (OGU) e vinculados à fontes específicas previstas em lei, por meio de operações não reembolsáveis.

4
Os fundos financeiros são aqueles autorizados a realizar operações financeiras e de crédito, podendo possuir patrimônio subscrito. Seus recursos podem vir de fontes específicas e do próprio OGU. São também conhecidos como fundos fiduciários.

5
Setor acadêmico (2); Terceiro Setor - ONGs e Movimentos Sociais (2); Setor empresarial (2); Poder Executivo Federal (2); Poder Legislativo Federal (1); Ministério Público (1); e um convidado especial, considerando à contribuição dada à EA, bem como ao processo de criação do fundo.

6
Variável entre 5% e 15%.

7
Sugere-se o Dr. Pedro Leitão, um dos criadores do FUNBIO, ex-Secretário Executivo e atual presidente do Conselho Deliberativo.

8
Sugere-se o Sr. Manoel Serrão, ex-Gerente do FNMA, autor de uma dissertação sobre fundos ambientais, um dos criadores da Rede Brasileira de Fundos Socioambientais e atual colaborador do FUNBIO, atuando com modelagem de fundos.
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